VOLTAR >
Site Sidney Rezende - 26/08/2007
O juiz do caso Varig se explica
Da Redação

Citado na série de reportagens do SRZD sobre o caso da Varig, o juiz Luiz Roberto Ayoub, da 8ª Vara Empresarial do estado do Rio, esclarece a aplicação da lei de recuperação judicial no caso que envolveu a demissão de nove mil funcionários da empresa, em 2006, sem o devido acerto de contas previsto pela lei trabalhista. Criada em 2005, a lei de recuperação judicial, que sucedeu a lei de falências, foi aplicada pela primeira vez no caso da Varig, o que permitiu o leilão da empresa sem o repasse das dívidas trabalhistas para o comprador. Agora, esse passivo não tem previsão de ser acertado. Os trabalhadores criticam a lei e a atuação da 8ª Vara Empresarial, mas o juiz a defende, esclarecendo detalhes.

Ayoub ressalta que o objetivo da lei é manter, sempre que possível, a atividade empresarial da instituição à beira da falência, pois o extermínio da mesma só deve acontecer quando seu funcionamento se mostrar nocivo à sociedade. Do contrário, a todos interessa a sua existência. Por isso, a lei é marcada por estímulos e atrativos que façam garantir o surgimento do crédito e de investidores. “Em um passado recente, empresas importantes para o Brasil desapareceram do cenário em razão de diversos fatores, gerando enorme perda para todos nós. Citemos os casos Mesbla, Sears e Manchete, que, por certo, ainda estariam cumprindo o seu papel social, caso houvesse uma legislação capaz de protegê-las em casos pontuais de incapacidade momentânea para o cumprimento de suas obrigações”, explica.

A respeito da venda sem o repasse das dívidas, ele esclarece que, caso a empresa fosse posta a venda com todos os seus passivos, o comprador, caso existisse algum, no mínimo ofertaria um preço abaixo do valor de mercado, considerando o risco do negócio. “Trata-se de uma legislação que prestigia o estímulo. Havendo a possibilidade de reerguer a empresa através da ação de recuperação judicial, fica evidente que ao pretendente há de se conferir um mínimo de certeza quanto à proteção do negócio jurídico”, diz. Ele explica que essa garantia de proteção também atrai mais interessados e, conseqüentemente, uma maior concorrência, que resulta no aumento do preço. “Assim, maiores são as chances de recuperação da empresa enferma através da injeção de recursos para reerguê-la”, afirma.

Segundo Ayoub, não são só os funcionários insatisfeitos com a lei, ela também recebeu duras críticas no meio jurídico. “Prematuramente, colocaram-se a criticá-la sem um exame mais cuidadoso. Repita-se, o propósito da novidade legal está em emprestar estímulos e atrativos para sensibilizar o investidor. Do contrário, sem garantias, dificilmente alguém apoiaria qualquer projeto de reorganização empresarial. O credor deste momento é diferente do credor anterior e a preferência objetiva estimulá-lo a injetar o necessário capital”, esclarece.

A sucessão da empresa e as dívidas trabalhistas

O ponto alto da discussão no caso da Varig é o da sucessão fiscal e trabalhista da empresa. Afinal, 9 mil funcionários foram demitidos após o leilão, sem receber nada. De quem é a responsabilidade do acerto de conta com os trabalhadores? Dos novos donos? Da massa falida? Como os funcionários ficaram sem nada e não foram atendidos segundo a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)?

O juiz reconhece que o tema é repleto de controvérsias, e que as esferas trabalhista e empresarial divergem. O fato de a lei ter sido aplicada pela primeira vez no caso da Varig, não tendo outros processos como referência ou base, também dificulta o entendimento entre as partes. “A nova legislação, carregada de estímulos, está sujeita a imperfeições que decorrem da ausência de uma jurisprudência dos tribunais superiores que, no momento oportuno, orientarão o caminho a ser trilhado por todos os personagens envolvidos. Por enquanto, a controvérsia é saudável e auxilia a formação de uma convicção a respeito do tema”, diz.

“Louva-se a posição defendida pela justiça obreira que, em nome da proteção do trabalhador, pretende ver reconhecida a sucessão trabalhista. Contudo, a posição adotada pela justiça empresarial, nada obstante os enfoques divergentes, também prima pela manutenção do emprego. Ocorre que o entendimento parte da premissa de que o emprego depende da existência da empresa. Sem ela, não há falar-se em empregos e, certamente, a sua ausência emprestará prejuízos não só aos trabalhadores, mas a toda coletividade. Assim, entendo que a existência de qualquer espécie de passivo, por ocasião da alienação dos ativos, acarreta no afastamento de eventuais interessados. A questão está disciplinada nos art. 60, § único e 141, II, respectivamente, em recuperação judicial e falência, ambos da lei nº 11.101/05”, explica.

Confirmada a controvérsia entre as jurisdições trabalhista e empresarial, o Ayoub lembra que o Superior Tribunal de Justiça, no Conflito de Competência nº 61.272, decidiu, por unanimidade, ser da esfera estadual (onde está em trâmite a ação de recuperação judicial da Varig) a competência para dizer a existência, ou não, da sucessão trabalhista. “A conclusão é pelo reconhecimento da ausência de qualquer espécie de sucessão trabalhista ou fiscal, objetivando conferir atratividade ao ativo e, conseqüentemente, atrair interessados que, com o pagamento justo para a aquisição da unidade produtiva, possam recuperar a empresa e, com isso, garantir a manutenção dos consectários que dela decorre”, diz.

O juiz utiliza trechos de livros que explicam o texto da lei de recuperação judicial para ilustrar o caso.

[...] “A forma de quitação dos créditos trabalhistas será objeto de disposição no plano de recuperação, não tendo sentido criar-se sucessão do arrematante. A alienação judicial em tela tem por escopo justamente a obtenção, frustrando-se o intento caso o arrematante herde os débitos trabalhistas do devedor, porquanto perderá atrativo e cairá de preço o bem a ser alienado.”

Sérgio Campinho, “Falência e Recuperação de Empresa”, ed. Renovar, pág. 173.

[...] “prevalece o entendimento esposado no art. 60, parágrafo único da LRF, também com relação ao credor trabalhista, no sentido de inexistência da sucessão do empregador. A par dessa conclusão, temos, conseqüentemente, de chegar à outra que é a da rescisão do contrato de trabalho quando existe a transferência de estabelecimento decorrente do plano de recuperação judicial [...]. Ressalta-se que o devedor continua a existir, tendo responsabilidade pelo pagamento de todos os direitos de seus empregados. Só não se admite que os empregados que trabalhavam no estabelecimento alienado, em decorrência do plano de recuperação judicial, exijam do arrematante os valores anteriores à alienação. Não existindo a sucessão, não se pode exigir a manutenção dos demais ajustes entre empregado e o antigo empregador em relação ao arrematante”.

Marcelo Papaléo de Souza, “A Nova Lei de Recuperação e Falência e as suas Conseqüências no Direito e no Processo do Trabalho”, ed. LTr, pág. 188

Segundo Ayoub, o professor da citação acima reconhece a restrição a um direito fundamental dos trabalhadores, conforme artigo 7º da Constituição da República. “Pode-se dizer que o aparente conflito existe, tão só, entre os interesses apenas imediatos do empregado e os seus interesses de médio e longo prazo. Se privilegiarmos aquele, destruiremos estes”, diz. “Decorre daí, o reconhecimento da inexistência de qualquer direito absoluto, bem com a necessidade de flexibilização de institutos do direito, rígidos até então, tudo a depender do exame do caso concreto. A prevalência de um interesse sobre outro, deve ser analisado a partir do princípio da proporcionalidade, à vista da hipótese concreta”, completa.

O juiz ressalta que não se trata de negar vigência à legislação trabalhista. “A ela rendo todas as homenagens. De fato, o que se pretende é conferir um tratamento especial nas hipóteses em que as empresas estejam submetidas à recuperação. E só! Do contrário, não estando sujeitas ao regime da lei de recuperação, nenhuma interferência haverá. De outra forma, a competência da justiça estadual, atraída pela ação de recuperação, fica limitada à declaração da existência, ou não, da sucessão trabalhista. A lide trabalhista, por óbvio será resolvida pela justiça especializada”, explica.

Seria então a lei de recuperação um “calote legitimado pela Justiça”, como dizem alguns funcionários? Ele entende que não. “A utilização fraudulenta do instituto da recuperação - como alguns têm sustentado - não guarda nenhuma pertinência. Com efeito, o Poder Judiciário e o Ministério Público fiscalizam os abusos que eventualmente decorrem da pretensão de utilização da legislação empresarial para burlar o cumprimento de obrigações. É fato que, nada obstante a tenra idade da legislação, vários pedidos de processamento de recuperação empresarial foram indeferidos, pois notadamente pretendiam descumprir o propósito legal. Diga-se, inclusive, que o deferimento da recuperação depende do preenchimento de rigorosos requisitos dispostos no art. 51 da LRE”, diz.

Declarações finais

O juiz frisa que a nova legislação, ainda que muito jovem, merece crédito e deverá ser interpretada de modo a garantir o funcionamento de organismos responsáveis pelo desenvolvimento do país. “Seu sucesso dependerá da postura pró-ativa dos magistrados que devem buscar interpretar as normas jurídicas sem perder de vista as conseqüências econômicas. É uma situação nova, até então desconhecida dos personagens do direito. O impacto dos pronunciamentos judiciais na economia, especialmente na hipótese de recuperação judicial, é enorme, merecendo, por isso, redobrada atenção de um novo judiciário que figurará como verdadeiro partícipe do desenvolvimento da nação”, conclui.